O corpo docente e alunos do Instituto Pramāṇa participaram da SER – Semana de Estudos de Religião realizada pela Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, que aconteceu de 24 a 26 de outubro de 2023. Nosso time abordou uma grande variedade de temas pertinentes ao budismo.
Ciências da Religião e Teologia são áreas do conhecimento que se ocupam com uma dimensão sapiencial bastante incisiva na larga história ontogênica da humanidade, a saber, o fato da sacralidade. Ao passo do olhar teórico, sobretudo em nossos tempos pós-metafísicos, as áreas investigativas que se ocupam da religião sabem que sua universalidade proposicional é mitigada pelos contextos e tempos significativos de manifestação do sagrado. Este evento desafia seus participantes a uma solidariedade científica que seja capaz de tecer uma compreensão mais alargada e contemporânea de teologia e ciências da religião, sempre a partir de suas regionalidades ontológicas, ou seja, de suas especificidades disciplinares e dos seus contextos científicos.
Segue abaixo os temas das apresentações de nossos professores(as) e alunos(as):
Título: O fim do mundo na visão dos Sutras Budistas
Autor: Plínio Marcos Tsai (Doutor, Prof. UMESP; Prof. e Diretor do Instituto Pramāṇa)
Resumo: A literatura budista, vasta e multifacetada, reserva, em seu seio, elementos da experiência religiosa sobre os mais diversos aspectos da existência. O Digha Agama, possui um texto que é uma referência no assunto sobre o fim do mundo, chamado de Agama 33, que aborda de maneira profunda a temática, um assunto que, ao longo da história, tem mexido com o imaginário coletivo. Segundo esse texto, o universo não é estático. Ele se encontra em constante movimento, seguindo ciclos de criação e destruição, nomeados “kalpas”. Esses ciclos são subdivididos em quatro momentos: nascimento, sustentação, dissolução e um período de vazio. O estágio de dissolução é particularmente intrigante, pois detalha uma série de eventos cataclísmicos, frequentemente associados aos elementos naturais – fogo, água e vento. Mas, mais do que fenômenos físicos, representam a efemeridade da vida. O Agama 33 vai além e estabelece uma relação direta entre o comportamento humano e a iminência da destruição. Conforme a humanidade se distancia de valores morais, cedendo à ganância, ao ódio e à ignorância, o mundo caminha a passos largos para sua própria ruína. No entanto, em meio a essa visão um tanto sombria, há um fio de esperança. Para os budistas, o término de um ciclo não significa um fim absoluto. Depois do apocalipse, a vida recomeça, abrindo portas para novas possibilidades de evolução espiritual. Portanto, o Agama 33 do Digha Agama não apenas nos oferece uma visão sobre o fim do mundo, mas também uma reflexão profunda sobre a natureza humana e a necessidade de vivermos com ética e compaixão. Em um universo em constante mudança, o texto sugere que há sempre espaço para recomeços, mesmo após o fim.
Título: Bloco Gente de Fé: discursos político-religiosos contra hegemônicos na Parada LGBTQIAPN+ de 2023
Autora: Fernanda Marina Feitosa Coelho (Lobsang Khandro – Doutora em Ciências da Religião (UMESP); Profa. e Coordenadora do Instituto Pramāṇa)
Em junho de 2023, lideranças de diversas religiões se uniram para professar sua fé e reivindicar melhores políticas públicas para pessoas LGBTQIAPN+. O ato interreligioso foi denominado “GENTE DE FÉ POR DIREITOS: por políticas sociais que respeitem a diversidade e todas as religiões!”. O evento foi organizado por Koinonia – Presença Ecumênica em Serviço e contou com a presença de lideranças religiosas cristãs, de religiões de matriz africana, budistas, judaicas e outras. O evento também contou com figuras políticas, leigos e leigas que também tiveram um espaço de fala. O evento é uma continuidade do “1º Congresso Igrejas e Comunidade LGBTI+: diálogos ecumênicos para o respeito à diversidade” que deu origem à Carta de São Paulo, documento que visa afirmar o direito à fé de pessoas de sexualidades consideradas dissidentes. Para falar sobre a edição de 2023, dividiremos nossa apresentação em 3 momentos. Inicialmente, falaremos sobre as intenções apresentadas no primeiro congresso assim como sua culminância na Carta de São Paulo. Em seguida, descreveremos brevemente a estrutura do evento ocorrido em 2023 assim como apontaremos as dimensões social, política, educacional, religiosa e outras que percebemos no decorrer do ato. Por fim, nos concentraremos na dimensão política, apontando a importância e potencial da continuidade de um evento que reivindique continuamente o direito de pessoas que são consideradas abjetas pela sociedade hegemônica provocando tensões nas relações entre religião e políticas de gênero para pessoas que não abrem mão de vivenciar suas fés e que denunciam formas de opressão e dominação que são sustentadas por discursos religiosos dominantes.
Palavras-chave: Religiosos LGBT. Sexualidades. Identidade de gênero. Igrejas inclusivas. Direito de aparecer.
Título: “O único teste pela qual nossa fé deve ser julgada”: Textualização como expressão de domínio no estudo do Budismo por Max Müller
Autora: Loyane Ferreira (Ven. Lobsang Drolma – Doutoranda em Ciências da Religião (UMESP); Profa. do Instituto Pramāṇa)
Resumo: Esta comunicação visa abordar o papel de Friedrich Max Müller (1823-1900) no processo de sistematização de meios para exercer domínio sobre o território indiano, por meio da elaboração de uma ênfase do conhecimento textual das religiões asiáticas. O método é o estudo de fontes com base em bibliografia afim, em especial Arie Molendijk e Lourens van den Bosch. No referencial teórico conta-se também a noção de economia do conhecimento, na qual a produção e circulação de textos são consideradas não como elementos isolados, mas parte de um rico mercado, em que estão envolvidas revistas, editores, publicadores e todo o tipo de interlocutores, especializados ou não. A hipótese é a de que a textualização teve a função de promover uma centralização dos métodos de conhecimento em torno daqueles detidos pelos europeus em geral – e por Müller em particular. Centralizar a aceitação das religiões nos seus textos promove uma hierarquia dos meios de conhecimento na qual os nativos e suas práticas têm peso menor, enquanto a textualidade, em sua materialidade e capacidade de proporcionar riqueza e prestígio, estão acima do vivido. Por outro lado, a preferência pelos textos também exerce influência sobre a atuação do processo colonialista, na medida em que Müller aponta existir discrepâncias entre as práticas dos nativos e seus textos, interpretando-as como sinais de que os asiáticos não tem afeição ou noção à sua própria textualidade religiosa, e assim permitir-se-iam degenerar do que deveriam fazer. Nesse processo, textos que não seriam autoritativos ganham esse status, e, como os europeus os detém, Müller passa a interpretar que seria possível ensiná-los aos nativos.
Título: Vozes esquecidas: uma análise do relato das monjas budistas que buscaram o ordenamento pleno.
Autora: Nirvana França (Vem. Lobsang Padma – Doutoranda em Ciências da Religião, UMESP; Profa. do Instituto Pramāṇa)
Resumo: Quando uma mulher adentra ao monasticismo budista, ela precisa percorrer etapas para progresso no desenvolvimento espiritual através dos níveis (estágios) de ordenamento. Enquanto para os homens é necessário passar por apenas dois estágios para o Pleno Ordenamento, para as mulheres exige-se passar por três estágios: Shrāmaṇerī, monja noviça com dez preceitos; Shikshamāṇā, estágio intermediário, chamado de probatório com trinta e quatro preceitos; Bhikṣhunī, monja plenamente ordenada com 364 preceitos (na tradição Mūlasarvāstivāda). Se lançamos olhar as tradições originárias, três destas persistem no nosso tempo e elas ainda mantêm a linhagem de ordenamento, Dharmagupta, Mūlasarvāstivāda e Theravāda, nestas somente a Dharmagupta mantem a linhagem dos votos de Ordenamento Pleno feminino, enquanto nas demais, a linhagem se perdeu, as mulheres são reservados os dois primeiros níveis, mas as monjas do nosso tempo não se conformaram com isso, e mais uma vez se levantaram em luta, existe um movimento global pelo seu restabelecimento das linhagens perdidas. Isso pode ser feito de diversas maneiras, contando com o apoio das monjas Dharmagupta cuja linhagem se mantem intacta. As mulheres que lutam por este restabelecimento enfrentam obstáculos variados, que vão desde a proibição estatal, como é o caso da Tailândia, ou por não recebem apoio de suas comunidades e não são bem-vistas, como é o caso tibetano. O objetivo da presente comunicação é discutir o processo de ordenamento pleno a partir da experiência de uma monja budista que conquistou essa posição. Além de pesquisa bibliográfica, foi realizada uma entrevista semi-estruturada em formato virtual com monjas da Shakyadhita, residente em Valinhos – SP. Tal proposta é um extrato da pesquisa de doutorando em andamento. Que investiga as motivações da busca do ordenamento pleno feminino a despeito dos impedimentos.
Palavras-chave: budismo; monja budista; luta feminina; ordenamento pleno.
Título: Prakṛti à beira do poço em Gandhāra: uma mulher sem casta e dois diferentes finais para sua história, conforme o Divyāvadāna e conforme Paul Carus.
Autora: Estela Piccin (Ven. Lobsang Lhamo – Doutoranda em Ciências da Religião, UMESP; Profa. do Instituto Pramāṇa)
RESUMO: Um relevo narrativo budista dos primeiros anos da era cristã encontrado em Gandhāra – antigo noroeste da Índia, atual Paquistão e Afeganistão – esculpido em xisto e sendo parte de uma sequência narrativa maior que se perdeu, representa um conto (avadāna) budista presente na coletânea intitulada Divyāvadāna. Neste conto, o monge Ānanda pede por água à jovem pária Prakṛti, que inicialmente responde que não pode lhe oferecer água, uma vez que ela pertence a uma casta inferior. Ānanda responde que não pede por casta nem nascimento, mas por água. É o começo de uma longa história. Em fins do século 19, uma versão super encurtada e super adaptada desse conto foi popularizada pelo estudante de religião comparada alemão-americano chamado Paul Carus, que em 1894 lançou um livro com o sugestivo título “The Gospel of the Buddha”, contendo uma sequência de narrativas baseadas nos textos canônicos, porém também contendo muitos resumos e adaptações baseadas na imaginação do próprio Carus. Partindo da leitura do conto original em sânscrito, demonstramos de quais maneiras o texto apresenta elementos contra a divisão da sociedade indiana em castas e a favor da igualdade da capacidade feminina, bem como demonstramos os pontos problemáticos da “moral da história” composta por Paul Carus e de quais maneiras ela reflete o pensamento colonialista de fins do século 19 e início do 20. Podemos concluir que a escolha dessa imagem por parte de um doador ou doadora em Gandhāra seja sintomática de como as personagens femininas estavam começando a ganhar espaço no budismo da região, uma vez que de diversas maneiras valoriza o protagonismo feminino.
Palavras-chave: Mulheres no Budismo; Gandhāra; Cultura Visual Religiosa.
Título: O desenvolvimento da compaixão dentro da perspectiva budista tibetana geluk
Autor: Felipe Donadon (Doutorando em Ciências da Religião, UMESP; Prof. do Instituto Pramāṇa)
Resumo: A compaixão é uma condição indissociável dentro da prática budista, e que pode ser desenvolvida com as mais diversas finalidades, mas particularmente serve como base para o desenvolvimento do caminho do Completo Despertar. Assim, temos que tal desenvolvimento tem suas nuances e particularidades, assim como eventuais obstáculos, mas que se desenvolvido por meio da perseverança e paciência podem trazer diversos benefícios ao praticante e àqueles que pertencem a comunidade religiosa/espiritual que participa. A base essencial para o desenvolvimento da compaixão é justamente o contato com outros seres sencientes e o reconhecimento do sofrimentos que estes por sua vez tendem a sofrer, bem como a consideração sobre como poderia ser benéfico que todos eles fossem libertos dos sofrimentos e suas causas. A compaixão também serve como suporte para a estruturação da intenção superior de buscar trilhar o caminho gradual ao completo despertar, para se aprender os meios necessários para trazer a libertação a todos os demais seres sencientes e, assim, poder ser de benefício a todos, sem exceção por, no futuro, ensiná-los também sobre este caminho e os meios que se poderia utilizar para libertar-se dos sofrimentos e suas causas. Além disso tudo, a compaixão é a porta de entrada para o caminho Mahayana, aquele que distingue o desenvolvimento do praticante em sua jornada para se tornar um Buda.
Título: Principais emoções destrutivas, em especial a competição e a inveja, contempladas na geração de compaixão, conforme estabelecidas pelo XIV Dalai Lama
Autor: Jonathan Jesse Raichart (Ven. Lobsang Chogni – Mestrando em Ciências da Religião, UMESP; Prof. do Instituto Pramāṇa)
Resumo: Esta apresentação responderá à pergunta: como o Dalai Lama expõe as principais emoções destrutivas seguindo a escola Geluk do Budismo? Utilizando o método bibliográfico, será dividido em cinco subtópicos. Em primeiro lugar, um apelo a valores éticos na política e na economia mundiais, apresentará o seu apelo ao desenvolvimento desses valores, a fim de criar um mundo mais seguro e mais humano. Em segundo lugar, compreender as emoções destrutivas abrange como desenvolver valores éticos através da compreensão e depois controlar as emoções destrutivas no seu próprio continuum. Terceiro, as características compartilhadas pelas emoções destrutivas destacam suas qualidades comuns, detalhando o apego e a raiva como exemplos clássicos. Quarto, as famílias de emoções demonstram estados mentais subjacentes que qualificam grupos específicos. E quinto, a competitividade e a inveja explorarão as semelhanças e diferenças entre as duas. Esta apresentação focará mais neste quinto ponto. Embora certos tipos de competição possam ser benéficos para ajudar a motivar a pessoa a alcançar resultados mais elevados ou melhores, como competir para ser o melhor a ajudar os outros, o que é problemático é quando a competição apresenta um aspecto de querer chegar ao topo através de prejudicar e rebaixar os outros ou retê-los para superá-los. Chamemos isso de competição destrutiva. Na escola Geluk observa-se que a reação normal ao ver alguém melhor que você mesmo é gerar inveja, ver alguém do mesmo nível que você gera competição, e ver alguém inferior a si mesmo faz gerar desdém. Assim, há uma distinção baseada em como a outra pessoa é percebida. No entanto, também existem fortes semelhanças, uma vez que tanto a competitividade destrutiva como a inveja têm um aspecto de querer prejudicar a outra pessoa. Este desejo de prejudicar cai na categoria de raiva ou ódio na escola Geluk. Assim, o elemento tão insidioso em ambos é a intenção de prejudicar. Compreender essas emoções aflitivas é considerado essencial para gerar compaixão por si mesmo e pelos outros.
Palavras-chave: Dalai Lama, Emoções Destrutivas, Budismo Geluk, Competição, Compaixão
Título: O desejo da cultura do consumo na perspectiva do Budismo Gelug
Autora: Thaís Moraes Azevedo Maetsuka, (Lobsang Tsering – Mestranda em Ciências da Religião, UMESP; Aluna do Instituto Pramāṇa)
Resumo: A sociedade atual tem um modelo econômico que é voltado ao acúmulo de riquezas, sendo necessariamente baseado no consumo, que acaba estabelecendo um padrão de vida, que é marcada pela exibição da posse de bens de consumo e experiências de prazer proporcionadas por esse consumo, caracterizando também uma espécie de identidade. Assim, para a manutenção da estrutura desse mercado de consumo, há o estímulo constante pela obtenção de bens, de maneira imediata, com repetidas promessas irreais, de obter algo melhor que o anterior, o que estimula o desejo e ânsia por bens a serem consumidos, de maneira a levar até a uma compulsão ou vicio, sendo acompanhado por uma irracionalidade dos consumidores. Isso ocorre de tal maneira, que esse comportamento social desenfreado e irracional, leva a exploração predatória de recursos para produção, aumento de resíduos e assim por diante, de maneira a contribuir para a crise ambiental atual, e para o aumento das desigualdades sociais, já que este comportamento também está vinculado a uma mentalidade egoísta, na qual a felicidade depende de ter para si, frente a falta dos outros. O que leva, obviamente, ao sofrimento, tanto pelas mudanças climáticas, quanto pela exclusão social frete as desigualdades. Mas o que é esse desejo que leva ao consumo irracional, que funciona como uma compulsão ou vício o qual o mercado usa? Neste ponto, a filosofia budista da tradição Gelug traz pontos interessantes a respeito do desejo. O desejo, de acordo com uma estrutura pedagógica budista, conhecida como Doze Elos Dependente Relacionados, surge pelo contato que permite as sensações ou experiências agradáveis e desagradáveis, que levam ao desejo de posse ou desejo de destruição, mas que podem ser classificados ainda como um desejo que é dito ser aflitivo. O desejo “normal” ou não aflitivo é necessário, pois o desejo atua como uma força para o movimento e o esforço. O componente aflitivo é entendido como uma emoção destrutiva, que não é destrutiva pela natureza da emoção, como o desejo de destruição, mas sim, uma medida de quanto essas emoções são realistas, pois quando essas emoções são infundadas, elas se tornam destrutivas, sendo assim, pressupõe uma distorção. Esta por sua vez, ocorre por meio da presença da ignorância distorciva, que atua no conhecimento das coisas, de maneira a fazê-las parecer inerentes, existentes por si próprias, independente de outras coisas, que atua tanto na concepção da individualidade das pessoas, quanto na individualidade dos fenômenos, objetos e experiências. Essa concepção da individualidade das pessoas leva a um forte senso e consequente agarramento ao ‘eu’ e ao que está associado a ele, como ‘meu’, e uma hostilidade ao ‘outro’ ou ao que ‘é do outro’. E dos fenômenos, como mais concretos e com qualidades ou defeitos exagerados frente ao que realmente são, potencializando o desejo ou aversão de maneira proporcional. Assim, a perspectiva budista Gelug traz ferramentas interessantes para analisas o desejo presente no consumo irracional.
Palavras-chave: consumismo; desejo aflitivo; budismo; ignorância distorciva.
Título: O pilar fundamental do desenvolvimento do praticante: a relação entre aluno e a origem de toda felicidade, o guru.
Autor: Wagner Motta Milanezi (Mestrando em Ciências da Religião, UMESP; Aluno do Instituto Pramāṇa)
Resumo: Em tibetano, é utilizado o termo gewai shenyen, que seria algo como amigo ou amigo espiritual. E mais uma vez, traz a noção de alguém importante, uma peça-chave para a pessoa, no caso um aluno, atingir os seus objetivos, sejam esses mundanos ou superiores. Em comum, tanto nas tradições e culturas ocidentais cristã, por exemplo no Brasil, como em tradições budistas orientais, como a Geluk tibetana, temos a figura do professor, guru, como um modelo, alguém a ser imitado, ouvido, respeitado e seguido, para que o aprendizado e consequentemente o caminho para se alcançar os objetivos sejam mais fáceis e rápidos. Portanto a lógica de ouvir e imitar pessoas mais experientes que já passaram por todo caminho de aprendizagem e treino, com o objetivo de aprender e conseguir atingir os mesmos objetivos que este modelo, é comum em diversas culturas. Este comportamento que é congênito da espécie humana, ou seja, observar, imitar, copiar algo de alguém, é chamado de dinâmica mimética. Segundo essa teoria a imitação consiste em um sistema de comunicação de via dupla, ou seja, ao mesmo tempo traz consequências boas e ruins, sendo um dos responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo e comportamental da mente humana, transmissão de conhecimentos e por consequência o sustento das diferentes culturas. Mas, por outro lado, multiplica conflitos e rivalidades que podem levar a violência, sejam estes conscientes ou inconscientes. Mas o que motiva essa imitação? Segundo a teoria do desejo mimético de Rene Girard, é o desejo por um objeto, sendo este algo palpável, um status, posição estatutária etc. Por sua vez, o desejo é gerado a partir da imitação de desejos dos outros, mas não qualquer outro, e sim de um modelo, que para o nosso estudo é o guru (professor). O processo como um todo, é chamado de “mecanismo mimético”, e consiste, de acordo com Girard em: “começando pelo desejo mimético, que depois se torna rivalidade mimética, com possível escalada até o estágio de uma crise mimética e, por fim, terminando com o bode expiatório.” (GIRARD, 2010, pág. 79). Mas o que é o desejo então? Todo ser possui desejos e apetites, sendo este algo biológico, como apetite por comida, água e sexo. Por sua vez o desejo, é o querer um objeto específico, ou status social que já é desejado por outros, ou seja, uma imitação de um modelo. Portanto, transportando o mecanismo de desejo mimético para o contexto de uma relação guru-aluno, a estrutura da teoria seria composta pelo ser (aluno), o modelo (guru) e o objeto desejado, em um ciclo de imitações, influências, desejos e conflitos.
Palavras-chave: Guru; Budismo Tibetano; Lamrim Chenmo, Confiança, Tradição Geluk
Título: Seria o ser compassivo a negação do eu? Uma perspectiva Budista Mahayana em diálogo inter-religioso
Autor: Matheus Pangracio Italiano (Mestrando em Ciências da Religião, UMESP; Aluno do Instituto Pramāṇa)
Resumo: Hoje enfrentamos uma crise mundial da saúde mental, esse quadro se ampliou após a pandemia de COVID e continua a causar inúmeras dificuldades para muitos seres e isso acaba afetando as pessoas que estão ao seu redor. Os valores individualistas acompanham a história e moldaram de certa forma a cultura pós-moderna atual, isso pode ser visto nas diferentes culturas do mundo principalmente no que se refere na cultura do enaltecimento do “eu”. Diversos estudos têm demonstrado que essa processo de individualismo levado ao seu extremo é uma das causas principais dos problemas de saúde tanto física quanto mental, o que demonstra que em um olhar científico o movimento individualista que enaltece um tipo de eu, é fonte de inúmeras doenças. Frente a esse enaltecimento do eu é preciso fazer uma pergunta básica “O que é o eu?” desse questionamento outro que deve ser feito é “esse eu que está sendo enaltecido pela cultura individualista e que sofre com os transtornos é realmente real?”. Para pensar a formação do eu se propõe olhar os desenvolvimentos quanto a esse estudo no Budismo Mahayana, em específico de escola Madhyamaka Prasangika. A investigação do eu leva até a compreensão e aponta para a realidade de o eu existe apenas em relação aos demais. Essa conclusão leva até o que no budismo se chama Bodhisattva, que seria o ser compassivo. Isso pois, se entende que uma saúde mental, um bem-estar de si mesmo, está relacionado com a boa relação com o ambiente que se está inserido. Diante do apresentado, mostra-se necessário explorar mais a fundo o que compõe os aspectos de sabedoria e compaixão propostos pelo budismo, bem como as bases ontológicas e epistemológicas budistas que são a base para o Bodhisattva (ser compassivo). Será a partir dessa análise do que é o eu, o sujeito que tem sua subjetividade, se abrirá a possibilidade de falar de um ser compassivo como um antidoto e um método de contrapor as visões predominantes hoje que levam a crise na saúde mental. Falar do ser compassivo é falar da compaixão, falar de compaixão é compreender o potencial que existe em cada ser humano de ter uma vida digna, saudável e feliz. Ao pensarmos a compaixão iremos perceber que ela não está presente apenas no contexto budista e que o ser compassivo pode ser encontrado em diferentes tradições religiosas como também o que as atitudes desses seres compassivos quando trazidos a luz da ciência moderna são fatores que promovem saúde. Ao trazer o diálogo interreligioso e interdisciplinar será possível a percepção de que a compaixão é motora de transformação na vida de diferentes figuras importantes em diferentes tradições religiosas como também na vida individual daquele que percorre o caminho religioso. Ademais, será possível verificar que nas pesquisas da ciência moderna, a compaixão, tem se demonstrado fator de fundamental como linha de tratamento no que se refere a saúde física e mental.
Palavras-chave: saúde mental; budismo mahayana; diálogo interreligioso; compaixão.